A melhor época para ser mulher
O ano de 2012 foi muito louco. Morreu a Hebe, morreu o Wando, o Francesco Schettino abandonou o navio naufragado, e eu fui demitida de uma grande corporação depois de denunciar um chefe por assédio sexual. Dei uma busca na caixa de emails, pra checar a data exata antes de escrever aqui, e relembrei pelas mensagens que, além do pé na bunda, também ganhei zero reais dos dois salários que me deviam. Nunca vi a cor do dinheiro.
Era outra época, claro, como sempre é. Minha avó, aliás, dizia que hoje em dia é tudo muito moderno, e que estão morrendo pessoas que nunca morreram antes – ela mesma morreu em 2013, achando que aquele era o auge definitivo do progresso. Mas, sim, outros tempos, quando ainda pouco se ouvia falar em feminismo, que dirá no conceito da sororidade.
Já há três dias que venho escutando o podcast “The Catch and Kill”, sobre o caso do produtor americano Harvey Weinstein. Harvey, como se sabe, foi acusado de assédio por mais de 80 mulheres, e as acusações geraram, posteriormente, o famoso movimento #MeToo.
Como foi respeitado e temido por décadas (obviamente antes de seu comportamento criminoso ser descoberto), Harvey pôde atuar impunemente pelo mesmo período, impactando infinitas gerações de atrizes. E, entre aquelas que aceitam falar no podcast, a principal diferença que se vê é em relação ao acolhimento recebido – uma consequência direta da época em que cada episódio aconteceu.
Quando do assédio que sofri, foi muito mais frequente ouvir perguntas do tipo “Mas você tem certeza de que foi isso mesmo?” do que receber qualquer tipo de apoio. Outros tempos, lembremos, diferente do que acontece hoje, com casos comoventes de mobilização de classe a cada denúncia e pedido de socorro feminino.
Se em 2012 até mesmo mulheres jornalistas, colegas de profissão e algumas da mesma empresa, ficaram do lado do assediador, tenho certeza de que, acontecesse hoje o que aconteceu no passado, tudo seria diferente. Algo que se deve, como eu disse, ao fato de que evoluímos como sociedade, mas também ao fator da transformação pessoal de muitas de nós.
Estamos mais atentas umas às outras. E não apenas na vigilância, mas na identificação como grupo. Paralelo a isso, venho assistindo a um amadurecimento individual e independente de faixas etárias, onde quem antes compactuava e passava pano agora dedica a carreira a escrever sobre sororidade.
O conceito não é novo, e tem sua origem nas bases do feminismo. O desejo de aplicá-lo na prática, porém, e a dedicação a exercê-lo em sua totalidade, são, eles, sim, algo recente. Flagro em minha juventude, por exemplo, várias condutas reprováveis, das quais não me orgulho porque sei – e sei hoje, como não sabia antes – que causaram sofrimento às minhas iguais.
Se o movimento #MeToo é o que é hoje, é porque ele explodiu em 2017, e não cinco anos antes. Se a TV aberta debate em horário nobre a aliança solidária entre mulheres, é porque este é o BBB20, e não cinco edições antes. Se hoje temos manifestos assinados por milhares de jornalistas mulheres em defesa a uma colega difamada publicamente em uma CPMI (e agora pelo próprio presidente da República), é porque estamos em 2020, e não cinco anos antes.
E, sobretudo, se podemos nos perdoar a nós mesmas e umas às outras, é porque estamos em uma nova era de uma nova existência. Sorte a nossa estarmos vivas justo agora.