Por favor, me ame
Embora já tenha sido acusada nas redes sociais de ser branca, privilegiada e rica, sempre gosto de frisar que sou inegavelmente privilegiada e branca, mas também uma pessoa bem distante do dinheiro que gostaria – e precisaria – ter na carteira. Recentemente, uma moça, muito brava, dizia que nós, as favorecidas, deveríamos lavar privadas para entender a vida. Achei curioso, porque nunca tive faxineira e continuo aqui, sem saber do que se trata a existência humana.
Tem duas semanas que me mudei, e agora moro com meu namorado. Além de um canto especial para a bandeja de areia das minhas gatas velhas, ele também gentilmente me presenteou com a dádiva de uma faxina profissional por semana, algo que já fazia parte da vida dele desde sempre. É um nada, eu sei, mas foi suficiente pra eu me achar a Carolina Ferraz do meme.
Pode ser que deixar de esfregar meu próprio vaso me deixe ainda mais ignorante filosoficamente falando. Mas, putz, acho que estou disposta a pagar o preço. Já foram duas segundas-feiras, duas lavagens oficiais, e realmente me ocorreram poucas epifanias neste período.
Se sigo sem saber o sentido da vida, ao menos continuo integralmente desperta para minhas próprias fraquezas emocionais. Tenho medo da rejeição, por exemplo. E achar que a faxineira não foi com a minha cara e me detesta tem transformado o que deveria ser um momento de felicidade plena, com a privada cheia de espuma cheirosa, em sofrimento infantil.
Dizem que é ruim demonstrar defeitos assim, publicamente. Tipo admitir que morro de medo de envelhecer, justo eu, que prego tanto a autoaceitação, que mando todo mundo ler Mirian Goldenberg. Dei sorte que, não tem muito tempo, gourmetizaram essa paúra super comum, e agora ela se chama “compartilhar a rotina de skincare”. Assim mesmo, bem comprido.
Você passa 30 produtos caríssimos no rosto, pescoço e mãos, toma 14 cápsulas de colágeno, e mostra para todo mundo esse ritual escravizante e infernal. Pronto: o que antigamente era tido como covardia, agora é aplaudido nas redes. Literalmente maquiar o pânico e travesti-lo em inspiração para as massas.
Gostaria muito que também fosse cool minha fobia de não ser amada. Que encontrassem um jeito de deixar glamourosa a carência que me faz querer abraçar a faxineira e perguntar onde foi que errei. Oi, meninas, tutupom, hoje eu vou mostrar pra vocês minha rotina de desespero pela aprovação alheia, primeiro eu me humilho, depois eu choro num canto.
Nem décadas de terapia combinadas ao esfregão com Pinho Sol deram conta de sanar alguns buracos que, parece, carregarei pela vida inteira. Há sempre a esperança de que a temida velhice traga a compensação da maturidade, mas vai saber. Até lá, resta o conforto da consciência plena de que, dura, porém privilegiada, nasci com o dom de escrever. E que, pelas linhas, tento sempre exorcizar meus fantasmas.