A quarentena é mais difícil para o homem

Marcella Franco

Tem gente perdendo parente, tem desempregado, tem morador da favela, e dono de negócio falindo, mas ouvi dizer que a quarentena está difícil mesmo é para o homem. Fatores intrinsecamente ligados à masculinidade encontram-se, dizem, acima de todas as dificuldades e agravantes neste severo período que o mundo enfrenta. Estou consternada.

Até os políticos já se deram conta disso e vêm tentando nos avisar. Enquanto o presidente da República entende que salões de beleza são essenciais e autoriza seu funcionamento em meio a uma pandemia que já matou quase 50 mil, um vereador no Mato Grosso do Sul alerta para o óbvio: “Imagina a mulher sem fazer sobrancelha, cabelo, unha, não tem marido nesse mundo que vai aguentar”.

Deve estar complicado mesmo. Acordar todo dia ao lado de uma mina que arruma a casa, arruma o almoço, arruma os filhos, arruma trampo, arruma dinheiro, arruma tempo, mas não se arruma, ah, tenha dó. Realmente não há meios pra que um casamento sobreviva.

Nestas condições, falaram, fica tão difícil ser um cara na quarentena que restam poucas alternativas além de agredir a esposa. Claro, são todos os homens aqui pessoas de bem e respeitosas, não erguem a mão nem pra uma flor, mas agressão verbal todo mundo sabe que existe desde que o mundo é mundo, e se não deixa marca é porque não feriu.

Gorda. Feia. Descuidada.

Isso fora o problema que as mulheres criaram ao ficar em casa o tempo inteiro, acabando com o espaço para as necessidades vitais masculinas. Não há quem sobreviva sem poder bater punheta, por exemplo. E auxílio emergencial pra isso o governo não inventa. Sumir com a namorada de casa um pouco. Porque transar é legal, mas gozar sozinho olhando pra tela do computador não tem preço.

E quem tem filho, então? Coitado. Vocês não imaginam o tamanho da dificuldade. Agora, com a quarentena, é preciso fazer tudo que antes alguém – não sei quem exatamente – fazia. É exaustivo ter que ajudar a mulher em tudo. Ajudar. Fazer metade, ou quase isso. Onde já se viu ter que trabalhar e ainda decidir o que as crianças vão comer no jantar.

Ser homem e pai na quarentena anda muito custoso até mesmo para quem não mora junto com a chata de uma mulher, porque conseguiu se livrar deste problema antes do coronavírus. Ela aparece toda semana, entrega a criança e sai andando, e nem pra ficar e trocar uma fralda, dar uma força, botar pra dormir. Fica tudo na mão do homem, obrigado a cuidar sozinho do próprio filho.

Certos estão aqueles que, pela bênção de Deus, moram em outra cidade, estado ou país. Assim basta dar um telefonema semanal, e se não quiser ligar também tudo bem, porque criança esquece rápido, se ocupa com videogame, não vai nem registrar que o pai faz tempo que não aparece. E é claro que se pegar Covid tem a mãe para resolver. Mulher é para isso.

Mas e pros solteiros sem filhos nem cachorro nem parente, sem vó morando junto, sem compromissos, será que também tá complicado? Super. Primeiro que da única vez que eles tentaram chamar a empregada pra dar um jeito na casa as mulheres da família já falaram um monte e encheram o saco.

Segundo que, sem quem limpe, cozinhe e lave, sobra menos tempo para a punheta, para o Netflix e para o Zoom com os brothers. Fora que alguém tem que trabalhar nessa casa. Porque a vida não é só diversão. Não dá para eu passar duas horas no Tinder, por mais que eu queira, quando há boletos vencendo e uma chefe (tinha que ser mulher) pesando na minha.

A quarentena, disseram, está difícil mesmo é para o homem. Bom seria ter nascido mulher, que consegue tudo mais fácil na vida.