Freud explica

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Marcella Franco

Pergunto se seria o caso de falar de ressentimentos e de gente que não consegue desapegar do passado, e ele até considera um bom tema, até que eu explico que o gancho é a postagem da ex-mulher do meu pai no Instagram, dizendo que ele não sabe cuidar das plantas do sítio igual ela cuidava. Tem quatro anos que eles se separaram. Ideia ruim, decidimos.

E se eu surfasse na onda do Bolsonaro com Covid, sem Covid, tá fugindo, não tá fugindo, olha a cobra, é mentira, puxo festas juninas, isolamento social sem quentão, as manifestações culturais, está aí uma problemática, daí desenvolvo até fechar com uma piada sobre ainda estarmos de quarentena no Natal? Não? Ok, perdão.

Também dava para fazer um paralelo, ainda dentro do tópico Bolsonaro, veja se me acompanha, eu digo que faz bastante tempo que ele não aparece para ofender ninguém, que até tirou água potável dos índios, fez vídeo vendendo cloroquina, mas não foi a público para efetivamente esfaquear verbalmente ninguém, correto?

E é nessa hora que eu digo que a gente está com saudades, até, por mais difícil de admitir que isso seja, porque a gente se habituou à violência, porque até mesmo ao abuso o ser humano se acostuma. Posso falar de feminismo e relacionamento abusivo, nesse ponto, e mencionar aquela sua frase clássica, como é mesmo, aquela que diz que até a merda é quentinha.

Tudo bem, eu posso pensar em outra coisa.

Podia ser um texto em solidariedade aos colegas mal compreendidos recentemente, o que você acha? Teve aquele texto falando sobre desejar a morte dos outros, viu o problema que deu? E rolou ontem um negócio com o Adão, o cartunista, que desde os anos 1990 falava de libertação sexual feminina e agora ficam chamando o cara de machista por causa de uma tirinha da Aline.

Dava pra usar isso e dizer que falta interpretação de texto e contextualização pra muita gente. Que hoje em dia todo mundo lê tudo correndo, e, pior, lê tudo procurando nessa leitura uma sombra que lhe convenha, você deve ver isso muito aqui no seu trabalho, não vê?

Daí eu usava esse mote para mencionar um texto incrível que li na internet, duma moça feminista, não conhecia ainda, agora estou seguindo, e ela falava que não dá para pensar em relacionamento aberto enquanto os caras não sabem nem lidar com o trabalho doméstico direito.

E eu ia falar que gostei muito do que li, mas que, putz, talvez aquele fosse um viés excludente, porque os caras que lavam louça e as cuecas vão achar que o texto não é pra eles, sacou, não vão acusar o golpe, e a mensagem não vai ser passada concretamente. Né? Luiz?

Luiz, você travou, eu acho. Tá me ouvindo?

Você congelou. Já reparou que ninguém congela numa cara boa? Será que isso dava um bom texto? Eu sei. Tá foda. Só ideia ridícula. Meu namorado sugeriu que eu fizesse um texto sobre a ironia de uma jornalista que fala de criatividade nas redes sociais não saber sobre o que escrever no post da semana no jornal.

Mas não tem coisa mais manjada que escritor escrever sobre bloqueio de escrita. Tanta gente já fez isso? Hum. E se eu fizesse uma lista de autores que já escreveram sobre isso e botasse uns trechos? Ruim, né. Texto com lista não dá.

Já sei! E um texto em que eu descreva essa nossa conversa aqui, eu e meu analista, o povo adora essas intimidades, e eu contando que eu te contei que não estava conseguindo escolher um tema, e falando dos assuntos que pensei e te falei, mas que você achou todos péssimos e me mandou pensar melhor?

50 minutos, já? Não é possível. Sessão virtual não pode durar um pouco mais? Seu próximo cliente ainda nem chegou. Digo, não chamou aí no Zoom. Eu vou continuar bloqueada, Luiz, socorro. Faz alguma coisa. Você acha que o problema são meus pais? Tem a ver com a introjeção do superego? A falta do objeto ou o significante criaram uma simbiose latente?

Luiz? Luiz? Você sumiu de novo.