Você vai amar seu filho quando ele crescer?

(Reprodução)
Marcella Franco

Virei motivo de chacota em casa porque respondi ao meu filho que um cubo tem quatro lados. Era uma segunda-feira, a tarde bombando de trabalho, telefone a mil, matéria para entregar, e ele enfia o caderno de matemática na frente do computador, com a dúvida à queima-roupa. Não prestei atenção, errei feio, passei vergonha.

Ter virado professora do Fundamental 2, junto com minha atuação como jornalista, foi uma guinada inesperada na carreira. Não estava nos meus planos ter que lidar com frações enquanto faço uma entrevista, por exemplo, ou relembrar os tipos de relevos do solo na mesma hora em que esfrego Bombril no fundo da panela de pressão.

Chama-se circunstância, e que sorte o acesso às aulas online enquanto tem gente com a vida escolar suspensa, sem dúvida. Mas põe para pensar em questões que vão muito além da funcionalidade do homeschooling, da sobrecarga feminina e dos malefícios da pandemia. Roubar dois lados do cubo me expôs à por vezes esquecida consciência de que filho é filho para sempre.

Todo mundo sabe que eles vivem por anos, glória a Deus, a ideia sempre foi essa, de que só morram quando ficarem insuspeitadamente muito velhinhos, mas é raro que se pare para pensar sobre o quanto o grau de dificuldade para criá-los só aumenta com o passar do tempo.

O dia do cubo capenga se transformou em piada porque as consequências foram só mesmo a desonra temporária de minhas habilidades matemáticas, mas outras manhãs e tardes bem mais complicadas têm sido frequentes na rotina da família presa em casa, de quarentena.

Por saco cheio do isolamento, ou por total ausência de gosto pelo assunto, ou até mesmo – admite-se, sim, essa possibilidade – uma latente falta de talento para os estudos, o pré-adolescente que botei no mundo vem progressivamente se enrolando nas obrigações da escola a distância. E, enrolado, deu para trapacear.

Em meio às lições esquecidas, as aulas puladas, as provas não dadas, e tudo entre muitas e muitas aspas aqui, nem os hipotéticos filhos do Dalai Lama passariam sem levar bronca dos pais. À beira dos 12 anos, o delinquente estudantil em formação é confrontado com veemência, e em nada lembra o bebê amável cuja maior proposta de desafio era não saber dividir os brinquedos com os outros.

O Facebook outro dia mostrou uma postagem em que uma mulher questionava às amigas se a maternidade trazia, por si só, um acalmar dos desejos e dos ânimos. Não traz. Ser mãe e pai complica conforme crescem os filhos, as diferenças, as identidades.

A vontade de sair sem volta para comprar cigarros, à qual obviamente a sanidade não permite sucumbir, é proporcional às implicações do mau comportamento dos filhos. Combinadas ao elemento frequente da ausência paterna, transforma as mães em criaturas não só exaustas, mas assustadas com a progressão de tudo. Onde é que isso vai parar?

A escola – online, presencial, universal, interplanetária, o que seja – deveria contemplar, em conjunto com as famílias, uma educação para a paternidade e a maternidade. Levar aos jovens a informação de que ter ou não filhos é talvez a decisão mais importante que vão tomar em toda a vida, ainda mais séria que a escolha da profissão no vestibular.

Lembrá-los, e a todos os casais que sonham com uma criancinha adorável correndo pela casa, que a infância passa, e é seguida pela complexa adolescência, pela juventude, a fase adulta, e que a necessidade que os filhos têm dos pais não desaparece com o tempo. Pelo contrário, só aumenta.

Não vai mais ser só segurar a mão para evitar a queda, acordar de noite para dar leite, enxugar as lágrimas do susto, dar abraços fortes na doença. Agora que seu bebê cresceu serão exigidos de você retidão nos exemplos, firmeza nas cobranças, coerência nas ações e sentimentos – e essa é a combinação mais difícil do mundo.

Costumo responder às amigas que perguntam se devem ou não ter filhos que nesta dúvida já está contida a resposta: não. Você vai amar a criança quando ela crescer? Criar filhos é para quem tem certeza de que quer o compromisso de ser desafiado constante e gradualmente até o fim da vida, sem hesitação.

Porque ser pai e mãe de crianças fofas é fácil, mas estar disponível para adolescentes rebeldes e adultos com problemas de gente grande é uma jornada bem mais complexa. E o amor a um filho na plenitude do projeto só é possível quando a gente lembra que, junto com seus corpos, crescem também suas exigências.