A culpa é das estrelas
Signo touro, ascendente câncer, lua em virgem. Exposto isto – também conhecido como a versão standard do meu mapa astral – creio estar gabaritada para seguir em frente com a condução satírica que imaginei para este texto, em que digo que adoro quando, nos debates, se credita tudo à astrologia, as coisas boas e as coisas ruins do mundo e das pessoas.
Funciona assim: um cara não é babaca porque a vida ensinou que dá pra ser babaca e continuar ganhando. Ele é babaca porque nasceu em abril e é ariano. E aquela garota pode até parecer ser alguém que não se importa com os outros, com uma consciência de si muito elevada, mas, na verdade, ela só se comporta assim porque seu sol é em sagitário.
Tem quatro dias que mandei um email mal-educado para a tutoria da minha faculdade. Era fim de semana, e descobri pelo portal do aluno que eles tinham encurtado em um mês o prazo de entrega de um trabalho. Do nada, sem avisar ninguém. Em 24 horas, virei repetente em duas matérias, e devia algumas dezenas de estalecas para entregar o projeto em segunda chamada.
O email começava com “caros”, e seguia com “vocês só podem estar de brincadeira”. Os tutores não gostaram. Acharam pouco polida a minha comunicação, e explicaram que, se eu quero ser professora um dia, preciso aprender a falar direito com os outros. Junto com a bronca, avisavam também que tinha acontecido um erro tecnológico no portal, e que a data do trabalho se modificou sozinha.
Eu podia ter ficado quieta. Entubado o esporro e seguido a vida. Mas não. Eu escrevi de volta. E isso não porque eu sou encrenqueira, e não levo desaforo pra casa. É porque a lua estava cheia em peixes mesmo. A tutora avisou que encaminhou minha mensagem à coordenação. Estou com medo de ser expulsa. Deve ser de escorpião, ela, dizem que é uma gente vingativa.
Pode ser que a astrologia também explique o porquê de, desde o dia 16 de março, estar todo mundo meio puto no geral. A humanidade inteira se sentindo inerte, imóvel, com um quê esquisito de clausura e sufocamento. Entendidos talvez expliquem que tem um planeta passando por algum ponto importante da galáxia.
Um ponto que controla não só a respiração das pessoas, como também a sanidade mental delas. E que, por isso, desde o dia 16 de março a gente anda meio noiado com absolutamente tudo. Se apegando a questões que, quando não tinha cometa ou lua em peixes, a gente podia muito bem deixar de lado porque tinha mais com o que se ocupar.
Lembra quando dava pra não brigar com todo mundo da família? A toalha molhada em cima da cama era um nada, se perdia assim que a gente trancava a porta e pisava a rua. Ninguém passava nem dois minutos achando que, por uma causa tão besta, o casamento estaria eternamente condenado.
Só que agora, quando os dias são todos iguais desde 16 de março, qualquer migalha que se comporte diferente neste eterno dia da marmota acende a fagulha da treta doméstica. E a gente toma banho chorando porque foi grossa com o marido, impaciente com o filho, muquirana com o cachorro que só queria mais um Biscrok. Será que eles vão todos terminar comigo?
Andamos, nestes tempos regidos por leão e aquário, coordenados pela neurose e pelo pânico extremo. Saudades de quando meu telefone apitava mostrando mensagem do trabalho e eu não gelava com medo de estar sendo demitida. Ou de pensar que quando eu espirro é realmente só um espirro, e não o sinal de que em 14 dias estarei morta.
Bons tempos aqueles em que a lua talvez estivesse num animal terrestre e não aquático, não sei, quem sabe, e que ninguém precisava lavar pacote de batata palha nem passar lencinho umedecido na sola do tênis. Brigar com a criança porque ela coçou o olho com a mão cheia de álcool gel, e agora se trancou no quarto dizendo que vai ficar cega.
Uma amiga escreveu há pouco para contar que, só de ontem pra hoje, já quebrou sem querer dois potes de vidro. E que um deles tinha doce de leite. Imagina o que é para uma taurina ouvir um negócio desses. A outra revela que brigou com a equipe do escritório e quase mandou dois funcionários embora. E que desde então não para de chorar, arrependida, e anda inclusive pensando em ligar pra mãe para pedir colo.
Eu também pediria colo pra minha, agora que talvez eu seja expulsa, demitida e divorciada. O problema é que minha mãe é de gêmeos. E isso deve inviabilizar completamente esse tipo de coisa.