Tati Bernardi, meu Deus do céu!
A Tati Bernardi escreveu esses dias uma coluna inteirinha sobre o Caetano Veloso, e sobre como ela achava que devia ter agido diferente quando teve a oportunidade de conhecê-lo. Ela queria ter enfileirado bolinhas de guardanapo e dado vexame, mas só conseguiu fingir naturalidade. Já eu, quando conheci a Tati, lá em 2012, também queria ter me comportado diferente. Não me deixaram.
Assim como o Caetano pra ela, a Tati era pra mim uma referência. Quando comecei a trabalhar na revista, ela já escrevia pra lá fazia tempo, em uma coluna parecida com a que assina hoje em dia aqui na Folha. Por muitas vezes, me pediram pra fechar seus textos – o que, no jornalismo, significa revisar e jogar na página a produção de alguém.
Para entender o sentimento, é como se o galãzinho de “Malhação” fosse recrutado a bater texto com o Tony Ramos. Por mais que eu já tivesse mais de uma década de carreira, fazer aquilo que a Tati fazia era uma meta gigante para qualquer mulher que escreve. Assinar textos em revistas de circulação nacional. Ser lida, ser adorada.
Só que eu não podia adorar Tati Bernardi. Por mais que, como Caetano com ela, sua escrita em mim movimentasse coragens e forças, a Tati era uma mulher que me desprezava. Ela me achava um nada. Foi isso que me ensinaram no lugar onde a gente trabalhava.
E, a fim de me proteger da indiferença, eu decidi então que ia detestar Tati Bernardi com ainda mais dedicação do que diziam que ela me detestava. Viramos inimigas mútuas, sem que nunca tivéssemos nos visto pessoalmente. Sem que me fosse dada a oportunidade de enfileirar bolinhas de guardanapo ou de dar vexame.
Além de escolher por mim as minhas próprias amizades, e de retumbar na base diária a minha insignificância, aquele meu chefe também se preocupou em me colocar no meu lugarzinho submisso de mulher. Suas escolhas criminosas teriam, hoje em dia, consequências bem diferentes. Mas, naquela época, em 2012, quando eu quase conheci a Tati, não renderam nada pra ele além de uma leve dor de cabeça.
A Tati agora me achava uma vadia. Eu eu achava ela frígida. Foi o que disseram pra mim, foi o que disseram pra ela.
Passei oito anos detestando Tati Bernardi com toda a disciplina de que sou capaz quando abraço qualquer projeto. Nesse período, me recusei a ler seus livros, suas colunas, não ouvia seus podcasts.
Ficava irritada toda vez que algum amigo ou amiga recomendava coisas dela – e todo dia alguém me recomendava alguma coisa dela. Porque Tati Bernardi está em todos os lugares. Era como o galãzinho de “Malhação” tentar fugir por uma década da presença do onipresente Tony Ramos.
Um mês atrás entendi que era hora de parar de bobagem. Que tudo bem a Tati achar de mim o que ela quisesse, mas que era importante entrevistá-la sobre o lançamento do seu romance recente. Tomei coragem e fiz o convite.
Ouvi-la falar por uma hora me fez, de novo, como em 2012, desejar ardentemente ser sua amiga. Mostrar meu deslumbramento e pedir foto, Mas, como fez Tati com Caetano, eu só me sentei comportadinha e falei “é um belo livro”. Eu soube ali quem era a pessoa que eu havia me tornado.
Escrevo este texto no dia em que finalmente conheci Tati Bernardi. Ainda não nos encontramos pessoalmente, é quarentena no Brasil, mas, depois de tanto tempo, pudemos nos despir e falar abertamente sobre quem nós duas somos. E era claro que não podíamos estar mais distantes daquilo que, há oito anos, foi pintado de nós.
É curioso que todas as vezes em que ouço histórias de mulheres que se detestaram por anos há quase sempre o ego de um homem problemático envolvido na questão. Com a gente não foi diferente. Uma pena que tenham me roubado tanto, coisas, sentimentos, pessoas. Que eu tenha perdido oito anos não sendo amiga da Tati.
Mas a gente ainda vai viver muito, até ficar bem velhinha, e tirar esse atraso todo. Quem sabe a Tati ainda almoça comigo aqui em casa, depois a gente sai pra tomar um drinque de casalzinho, com sorte ela até me canta num episódio de podcast. Ainda vou ter a chance de ser muito caipira e muito idiota tremendo do seu lado, Tati. E te prometo que vamos juntas reencontrar Caetano.