Me sinto pronta

Tenho uma prima que foi soldado. A gente aqui no Brasil recebeu a carta da mãe dela, todo mundo ainda muito criança, e ela, que já tinha idade pra muitas coisas, contava que entrou para o exército junto com o irmão, isso lá em Israel. Lembro que, tonta, pensei que ela ia levar um tiro na primeira semana. Mas que morrer de farda no exterior parecia chique o suficiente pra fazer valer a pena essa experiência.

Ela voltou ao Brasil alguns anos depois, por um período. Já tinha saído da corporação, lutava krav-magá, e agora era segurança particular da família dona de um banco muito milionário, moradora do bairro do Morumbi.

Em um dia de folga, resolvemos dar uma volta de carro atrás do Jóquei Clube. Demos de cara com uma travesti com o pinto de fora, duas da tarde, sol a pino. A soldado chorou. Eu dei ré correndo. Entendi ali que ser do exército não valia de nada quando o bicho pegava realmente.

Parece, agora, que o Brasil declarou guerra aos Estados Unidos. O presidente avisou que quando acaba a saliva tem que ter pólvora, e eu não tenho certeza se consegui entender direito a frase, até porque ele fala que a gente não precisa usar a pólvora, só mesmo saber que tem, e, enfim, o importante é saber que, caramba, vai ter guerra. Real, oficial, sangrenta.

Me sinto pronta. Não vou amarelar diante das grandes ameaças como fez minha prima e a piroca do Morumbi. Eu vou entrar para ganhar. Já estou com a roupa de ir, e ela tem tudo que uma grande soldado brasileira precisa para enfrentar com bravura os ianques: camisa verde e amarela, bandeira amarrada que nem capa, máscara do véio da Havan para despistar o inimigo.

Ainda estou no aguardo das coordenadas do comandante, mas imagino que começaremos a invasão por Miami, primeiro porque é bom entrar em território familiar, e segundo porque, de quebra, com tudo sitiado, barricadas, latão de lixo pegando fogo nos cruzamentos, pode ser que role um pit stop no outlet da Adidas.

Inclusive imprimi a tabela de conversão de tamanho para tênis e outros calçados, e vou levar dobradinha no bolso da pochete camuflada junto com meu canivete. Agendando tudo com cuidado, a gente ainda chega na época da Black Friday.

Já me vejo apertando no chão com minha botina Vulcabrás a loira cabeça do inimigo. Mandando que ele implore por meio litro de coca diet, ask pra sair, ou eu mostrarei meu lado mais sórdido de brasilidade viril. Quem é a palhaça aqui agora? Quem tá falando com otário aqui é você, ô, gringo.

Vou entrar chutando a porta daqueles Starbucks todos. Arregaçar na essência de caramelo porque agora é tudo nosso. Todo dia vai ser dia de maldade, de levar sem pagar um enxoval inteiro pro meu afilhado na loja da Gap. De furar fila da Apple na crueldade, pilhar maquiagem na mão grande e trazer de baciada pras amigas.

Quem foi que disse que precisa saber a cor exata da base e só trazer uma caixinha? Aqui é Lancôme, porra, aqui é Brasil!

Servirei com honra e dedicação. Mostrarei minhas técnicas todas de embate corporal adquiridas por anos assistindo Naruto. Que honra, senhor presidente, estar em plena forma física no momento em que o país mais precisa de mim. Aqui missão que é dada é sempre missão cumprida.