Dieta para a quarentena
Os entregadores por aplicativo existem para ajudar àqueles que, por um motivo muito sério, não podem sair de casa para buscar suas próprias compras. Essa semana, por exemplo, chamei um Rappi para me trazer pacotes de Doritos e Pingo D’ouro sabor picanha porque estamos em uma quarentena e o governador mandou não sair.
Eu tinha urgência. Todas as tardes da quarentena me bate uma vontade incontrolável de comer besteiras, quase sempre besteiras salgadas. Mas obviamente não sou mais criança, aprendi desde cedo que é preciso ter autocontrole, e por isso me cuido e só como salgadinho nas tardes de sábado e domingo. De segunda a sexta, faço eu mesma minha pipoca.
Ontem fazia cerca de 90 graus à tarde aqui em São Paulo. Meu namorado vestiu desde cedo uma bermuda marrom e uma camiseta leve de algodão, mas mesmo assim às três da tarde estávamos os dois derretendo de calor dentro de casa, e foi por isso que sugeri a ele que tirasse a blusa, homens sempre puderam andar pelados da cintura para cima.
Ele recusou, dizendo que ficaria parecendo um sorvete de casquinha. Ele acha que ganhou e arredondou a barriga durante o isolamento. Já eu, não tenho a menor dúvida de que não é esse shortinho jeans atolado na bunda que me deixa com celulite – a celulite é minha mesmo, não veio da loja, eu mesma que ganhei comendo Doritos e Pingo D’ouro sabor picanha.
Tenho inveja de quem anda comendo direito nessa pandemia. Tem a Vera, que faz dieta low carb e quando vai ao restaurante japonês consegue pedir tudo sem arroz. Tem a Paula, que faz jejum e passa doze horas só tomando água. Tem o Danilo, que posta foto de salada com grãos e combina as cores de tudo que põe no prato.
Perguntei como é que ele consegue um negócio desses. Ele avisou que aprendeu com a medicina ayurvédica, porque, depois de passar oito semanas comendo só mamão no café da manhã e feijão no almoço, alguma coisa ele tinha que ter aprendido mesmo. Pergunto o que é que dá para fazer no meu caso.
Ele sugere que eu comece com o kefir. O kefir são grãozinhos feitos de microorganismos que, entre outras coisas, ajudam a manter o intestino saudável – e, se meu intestino está guardado dentro desta barriga imensa que adquiri durante a quarentena, mal não pode me fazer.
Só que, ele explica, o kefir não só tem um gosto ruim (e ele imita o gesto que faz quando bebe, com o nariz tampado e os olhos espremidos), como também dá um trabalho gigante para cultivar.
Tem que ficar dando comida, deixar descansar, trocar, limpar, cuidar para não morrer. O kefir é praticamente igual ao meu filho. Talvez ele também precise fazer aula virtual. Vou ter que pensar sobre qual o limite de horas que dá pra deixar o kefir jogando videogame. E, se o kefir quiser baixar o Tik Tok no celular, vai ter que aceitar que eu coloque controle de conteúdo.
Eu queria ter alugado uma bicicleta ergométrica para deixar na sala durante o isolamento. Parece que não tem espaço suficiente, e era ou a bicicleta ou meu namorado – escolhi ele porque transar com uma ergométrica não deve ser muito prazeroso. Fora que ele faz o melhor misto quente da cidade.
Agora voltei a correr. Boto a máscara, os tênis novos, e saio pelas ruas do bairro sonhando em perder dois quilos por passada. Uma vez escrevi, em uma outra coluna que tive, um texto tirando onda das pessoas que corriam. Eu também era uma pessoa que corria, mas as outras pessoas que corriam não entenderam meu senso de humor e autoironia e ficaram muito bravas com as minhas piadas.
Talvez eu hoje em dia não tenha fôlego e seja um fracasso nas pistas justamente por causa da praga que o pessoal que corre rogou pra mim. Devem ter feito uma amarração esportiva, trago sua contusão em três dias ou o seu dinheiro de volta.
Eu lembro que um leitor muito puto escreveu para o email da coluna e me ameaçou de morte. Eu respondi perguntando se ele pretendia me atropelar com o Mizuno Wave dele. Deve ter sido isso, ando achando, que eu ri dos outros nos anos passados e agora Deus anda rindo de mim com essa celulite toda e o shape de casquinha de sorvete.
Tem dias que dá preguiça ser adulto. Dias em que o bom mesmo era continuar criança, pra comer muito Doritos e Pingo D’ouro sem acumular gordura. Ou quem sabe o bom na verdade era ser kefir, porque aí tinha alguém me cuidando e ainda me comendo todo contente no final.