No fundo do poço

Democrática que é, a psicanálise explica todo mundo. Comigo não ia ser diferente. Está lá nos livros, não sei exatamente se foi Freud, Winnicott ou Jung quem escreveu, não importa, mas a literatura clínica dá conta, de maneira muito clara, de mostrar porque é que a gente é assim desse jeito.

Na viagem para o Uruguai, por exemplo, quando não tinha uma vírgula fora do lugar, o voo saindo no horário, e eu nem pagando pelas passagens estava, não havia motivo algum para entrar em pânico quando as portas do avião finalmente se fecharam e a aeromoça anunciou para breve a decolagem.

Mas eu surtei e achei que fosse morrer sufocada.

Acontece geralmente se eu começo a prestar atenção demais no lugar em que pode ser que o ar acabe. Prevendo que vou entrar em pânico e que, como todo ser humano fora de controle, consumirei mais oxigênio, sei que – não falei? – o que havia de disponível para todo mundo respirar vai ficar sensivelmente mais escasso.

Pode ser na máquina de ressonância magnética. Em um banheiro químico. Salas de espera muito pequenas e sem janela para a rua. No Airbus, no Boeing ou no Fokker 100. E, principalmente, no elevador.

Eu não suporto elevadores. Se meu destino é abaixo do sexto andar, adoto as escadas com felicidade e vigor muscular nas coxas. Se preciso ir mais pra cima, entro na cabine tentando fingir que sou uma pessoa normal, sem neuroses descritas pela psicanálise – falhar invariavelmente acho que faz parte do quadro.

Tem um nome, isso. Chama claustrofobia. De acordo com os mestres da mente, é um mal que acomete quem tem problemas para dimensionar o próprio espaço pessoal. Pelo que entendi em estudos pregressos, e na busca que acabei de fazer aqui no Google, são (somos) pessoas que não entendem direito onde acabam e onde o outro começa.

Agora tira a gente do elevador e bota num apartamento na quarentena. Eu suporto bem a minha casa, não costumo surtar e achar que vou morrer sufocada aqui dentro. Mas, se sou um ser com problemas para perceber onde acaba o meu cotovelo e onde começa o cotovelo do outro, o confinamento em família não parece promissor.

Esse quarto aqui é o meu ou é o da criança? Essa almofadinha no chão é minha ou é da gata? Foi meu marido quem mijou na tampa da privada ou fui eu, com a minha inveja do falo, que esqueci para trás essas gotinhas?

A dentista fica no oitavo andar de um prédio perto da Avenida Paulista. O elevador é daquele tipo moderno, com espelho na parede do fundo, e portas sem qualquer tipo de ventilação – o ar condicionado de última geração instalado no teto dá conta do recado. Uma caixa metálica completamente vedada, puxada por cabos de aço, com um poço de 2,5 metros ao fundo.

Bastante atraente. Pela primeira vez na vida, considero como seria ficar presa no elevador sem entrar em pânico. Talvez meu filho precise de mim. Essa semana é de fechamento do bimestre e estudo pra provas. Meu marido nunca lembra onde a gente guardou a coleira da cachorra depois do último passeio. Será que eles se viram bem sozinhos em casa?

Antigamente, eu imaginava que os adultos gostavam de ficar sozinhos em casa porque aproveitavam para cozinhar pelados, tirar meleca à vontade, beber todo o estoque de vinho, assistir filme pornô em um telão na sala. Cresci, e descobri que é tudo isso mesmo que eles fazem.

Dentro da bolsa, ainda no térreo, vejo que veio comigo o último exemplar da revista piauí. Ela é boa porque costuma ter reportagens de 90 páginas de extensão cada. Também trouxe uma maçã e água. Calculo que dá para passar uma semana com conforto aqui dentro.

Aproveito enquanto ainda há sinal de celular no elevador, e abro de novo a barra de pesquisa. Acho que é uma boa hora para saber se Freud, Winnicott ou Jung escreveram alguma coisa sobre métodos para curar fobias na marra.