Houston, I have a problem
Filhos adolescentes são uma dádiva, porque fazem você celebrar materialmente a passagem do tempo, ficar feliz em acompanhar de perto o desenvolvimento da personalidade de alguém, agradecer ao universo pela bênção de ser digno de presenciar milagres. Mas filhos adolescentes também são insuportáveis. Enlouquecedores. Invejáveis.
Eu morro de inveja do cara de 12 anos que mora comigo. Primeiro porque ele tem mais colágeno do que eu conseguiria comprar na minha dermatologista. Segundo, porque ele não dorme, ele desmaia. Pense em alguém que não tem problema pra pegar no sono, nunca. E que, pra acordar, só com balde de água fria e três Pai Nosso.
Na quarentena, enquanto ele sonha profundo, eu desenvolvi uma relação doentia com o sono. Primeiro, não conseguia que ele chegasse. Acabei com o estoque de antialérgico da casa. Depois, fui para drogas mais pesadas, e comecei a comprar escondida do marido cartelinhas de Dramin a cada visita à farmácia. Quando vi, estava aceitando frascos de melatonina de uma amiga.
Quando acabaram todos os tipos de comprimido disponíveis, entrei em pânico. Será que eu seria capaz de dormir novamente, sem a ajuda de um negocinho? Claro que não. Eu tinha perdido o dom. Procurei oficinas. Lives. Entrei em um curso online sobre como pegar no sono e fazer amigos enquanto durmo. Fracasso. Segui acordada e sozinha.
Um dia, o jogo virou. Passei a sentir um cansaço tremendo sempre depois das oito da noite, e uma vontade desesperadora de me cobrir com um lençolzinho cheiroso, de luz apagada. Meu problema agora era que eu não conseguia mais me manter desperta no horário que o resto da casa funcionava.
Os tambores do índice do Netflix viraram minha canção de ninar. Antes mesmo que a família pudesse dar play no episódio do dia, eu já estava aconchegada em algum cantinho do sofá, com a cara apoiada no braço. Quando alguém se dignava a me chamar, dando um chacoalhão no ombro, o apartamento já estava todo escuro, e estou certa de que todo mundo ficava puto comigo.
Fui atrás de ser uma pessoa melhor. De equilibrar os hábitos e nem tanto morrer exausta, nem tanto viver zumbi na madrugada. Passei a me programar para ir para a cama em um bom horário, largar as telas, ler um bom livro. Embarcar numa noite tranquila de sono reparador até que o despertador tocasse.
Mas dei pra acordar com dor no ombro. Você já se relacionou com alguém bonito? Dá vontade de adormecer olhando pra cara da pessoa, quase um estímulo para os sonhos bons. Só que o problema é levantar na manhã seguinte com os trapézios estraçalhados depois de oito horas de pressão.
Entendi que a raiz dos meus problemas estava no travesseiro. Essa merda aqui, que não troco faz anos, estou ficando mais torta e mais velha por causa dela, aposto. Era urgente comprar um novo, e não podia ser pela internet. Me ensinaram que travesseiro e colchão a gente vai na loja para experimentar.
Deitei de calça jeans, máscara e óculos numa cama que ficava bem no meio do showroom. Provei três modelos, todos com a etiqueta na embalagem indicado que eram as melhores opções para quem, como eu, dorme de lado paquerando o parceiro. Escolhi o mais duro, mais alto, e mais barato dos três. Dinheiro não nasce em árvore.
Para a primeira noite, me arrumei como se fosse transar com o travesseiro. Passei creme e botei perfume. Peguei um shortinho bem minúsculo na gaveta dos pijamas. Joguei fora o plástico que dizia que, dentro daquela espuma, havia tecnologia da Nasa. Eu sei de que Nasa eles estão falando. Ela é mais Marcos Pontes do que agência americana. Mas, mesmo assim, eu estava pronta.
Foi quando Houston, we have a problem. Acordei com torcicolo. E o torcicolo me deixou mal-humorada, e quando eu fico mal-humorada eu perco ainda mais colágeno. Gastei 130 realidades para começar um dia velha e me sentindo pior do que me senti durante toda a quarentena, desde a fase do Dramin até o cochilo no começo do Netflix.
Agora, escrevo este texto sentada sobre o travesseiro novo. Porque, se o Código do Consumidor diz que eu não posso devolver um item no qual já tenha esfregado o escalpo, a solução talvez esteja em tentar amaciá-lo com a bunda.
Ou isso, ou trocá-lo na surdina pelo travesseiro do meu filho. Para um adolescente saudável, não faz a menor diferença se debaixo da sua cabeça o recheio é da Nasa, de plumas, de espuma, ou de um pacote inteirinho de Cheetos.